"Chorou um pouco. Era um belo homem, com barba por fazer e abatidíssimo. Via-se que havia fracassado. Como todos nós. Ele me perguntou se podia ler para mim um poema. Disse que queria ouvir. Ele abriu uma sacola, tirou de dentro um caderno grosso, pôs-se a rir, ao abrir as folhas.
[...]
- Se um dia me suicidar...
- Você não vai se suicidar coisa alguma, interrompi-o, porque é dever da gente viver. E viver pode ser bom. Acredite.
[...]
À porta ele beijou minha mão. Acompanhei-o até o elevador, apertei o botão do térreo e lhe disse: vá com Deus, pelo amor de Deus.
Entrei em casa, fui fechando as luzes, tomei o remédio para dormir. Lembrei que também disse: um dia mato alguém. Não é verdade, não acredito.
Tinha me falado num tiro de misericórdia.
Fiquei fumando, o cachorro me olhava no escuro. Como é que posso ser mãe para esse homem?, pergunto-me e não há resposta.
Não há resposta para nada."