terça-feira, 9 de novembro de 2010



"Depois do terremoto, que havia destruído três quartos de Lisboa, os sábios do país não encontraram um meio mais eficaz para prevenir uma ruína total do que proporcionar ao povo um belo auto-de-fé; fora decidido pela Universidade de Coimbra que o espetáculo de algumas pessoas queimadas a fogo baixo, com grande cerimonial, é um segredo infalível para impedir a terra de tremer.
[...]
A mitra e o sambenito de Cândido traziam pintados chamas inclinadas e diabos sem rabos nem garras; mas os diabos de Pangloss tinham garras e rabos e chamas verticais. Assim vestidos saíram em procissão, e ouviram um sermão seguida de bela música em fauxbourdon. Cândido foi açoitado em cadência, enquanto cantavam; o biscainho e os dois homens que não quiseram comer toicinho foram queimados, e Pangloss foi enforcado, conquanto não fosse esse o costume. No mesmo dia, a terra voltou a tremer com um estrondo assustador.
Cândido, aterrado, transtornado, desvairado, todo ensangüentado, todo palpitante, dizia consigo: 'se é este o melhor mundo possível, como serão então os outros? Vá lá que eu apenas fosse açoitado, já o fui entre os búlgaros. mas meu caro Pangloss, maior dos filósofos, era preciso ver-vos enforcar, sem saber por quê! Meu caro anabatista, o melhor dos homens, era preciso ver-vos afogar no porto! Senhorita Cunegundes, pérola das donzelas, era preciso que vos abrissem o ventre!' ".


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