sexta-feira, 22 de abril de 2016


Há algo de revelador naquela mirada da janela: não há folha que encontre o chão, permitindo ao ar realização física da paradeza, copa das árvores em pleno grito de imobilidade. Dentro, apito ensurdecedor na gaveta, que não se sabe uso ou não se sabe usar ou não se quer ouvir ou falta uma peça: jograis em vida. O aguardo do movimento que comunica à folha que seca de sol o momento da desprenda: queda livre, balançada de leveza, errante retorno: renovação. 

Num lado, somente aquilo que mais nos é íntimo e caro pode salvar. Doutro, é o desconhecido que  guarda a possibilidade da redenção. 


sexta-feira, 15 de abril de 2016


- tá bem?
To sim. Só besteirinha de menino bobo.
- essa palavra viaja bastante.


quinta-feira, 14 de abril de 2016


quando as histórias tiverem se tornado as dobras do cansaço do rosto, quando as noites da juventude forem passado que já não se diz, quando as paixões forem memórias guardadas que não se contam aos filhos e netos, e as manhãs improvisadas em água corrente (ali no fim da asa norte) forem lembranças acessadas com raridade, o ralear dos cabelos clinicando a desistência corporal, quando a manhã for preguiçosa acordada em café e horas escorridas pois o compromisso próximo é o almoço e a caminhada que o segue às sombras das sibipirunas - por vezes tapetes amarelos em tramas de natureza fiandeira -, quando o olhar já mais cansado observar os arredores e seus viventes fazendo predições porque os olhos já viram muito e conhecem os homens e seus tipos e sabem dizer o que ainda está por vir, quando os afazeres forem aventuras voluntariadas, quando a noção do tempo observar em equidade o novo bulbo que se arranja na mesa - e não se esperar a passagem dos dias mas a folha que nasce e cresce, os meses em broto -, quando a calma já estiver aceitada porque há pouco em nossas mãos, quando estes transtornos juvenis em preocupação se façam lembrados em ver a ansiedade das gerações ainda por vir, quando assentar que as histórias dos homens se repetem e só habitam novos corpos - formas físicas a se fazerem contadas-, quando os caminhos abertos com as pás e rastelos se chamarem Alameda dos Flamboyants, e os eixos (norte, sul?) forem estranhos feitos no concreto há muito sem visita, quando o amor estiver em constante companhia passando as folhas e brotos, e a saudade for palavra desconhecida, quando as línguas faladas forem somente uma e o silêncio não for incômodo - comunicação em sinais de eletricidade já há tanto se habituados, a leitura dos olhos, do corpo, dos gestos, do amor -, 
ladear aos meus 26 anos (meu deus, ainda 26), a ânsia senil.



segunda-feira, 4 de abril de 2016


o dia em que chegou na cidade (dessas hoje poucas, cujas casas guardadas pelo escuro da noite - pois a noite faz escura, protegida dos fogueiros em excesso e da eletricidade - inda tinham as portas sem passar trancas, lugar onde se deixam as cadeiras de palha em treliça esquecidas [nos mais mínimos alpendres, o cimento queimado ladeado das muretas mínimas {que possibilitam os aparentemente inertes afazeres, sagazes, das embeatadas que acompanham com os olhos o passo largo ou non troppo dos transeuntes - a depender da quentura do sol - e suas assuntadas, vindas das distâncias ou das esquinas mesmo} - há de se os ter, os alpendres] treliças que guardavam os segredos de Cotinha, filha de Cota (fazedora de bolinho de arroz de comer de boca boa que só vendo. Fila começa sempre antes das novenas) mais seu Zé da Arimateia, para quem caíam (feitas as tribeiras, já há muito sem cuidado, de casarões doutras épocas; sólidas fachadas em branco de cal escondendo as espessuras das paredes de terracota, o grande alívio dos interiores em dias mais acalorados - pois o sol ali podia fazer de doer, bandas onde não se pode habitar desprotegido ou caminhar pelas pedras da rua sem sombra, onde se ouve o sol ansiando abrir passagem no estalo das janelas, a madeira em dilatação) caíam os gracejos sobre Cotinha daquele rapaz já meio marmanjo, dado às serestas (um violão de sete cordas que era uma beleza, voz de boemia barítona que fazia tremores internos fragilizarem as mais castas das bem-criadas moças - que sabiam residir em tais proezas do feitio daquele rapaz certa malícia, certa marotagem que bem se vê proposital [saber porém de seus porquês, seus olhares em volátil ardência juvenil, a intangibilidade desse moço das prosas e cantorias, era parte da atraente situação - sabia-se por certo que aquele rapaz não fazia bem desposar, e quedavam-no como sonho fugidio de suas metódicas quotidianas]), filha do Zé da Arimateia, ali da venda onde os meninos mais faceiros compravam os traques pra logo correr a empestear a carcaça daquele sapo no meio da rua, violando as integridades do corpo do bicho - com dificuldade porque era morte ainda recente e não tinha secado ao sol, mas a tarde era longa e vazia e faziam da teima o vencimento da desfiguração, rompendo os feitos e criações da natureza, foi girino ali no largo da carioquinha, a brevidade da existência vivida por entre as beiras de rio pra acabar ali nas traquinagens às toas dos moleques - (desacompanhadas dos olhos sérios essas traquinagens, sadismos de origens intraçáveis - julgados talvez inofensivos às vistas mais desatentas -, quiçá não sabiam os aguardos do futuro), meninos faceiros atrapalhados vez ou outra pela carroça de cavalo que passava rumando a saída da Ponte Velha (pra assim poder passar frente a Matriz - a outra torre dos sinos nunca terminada, superstição [dizia-se que a primeira vez construída a atingiu um raio bem na sexta-feira da Paixão, enquanto entravam as longas filas em procissão na companhia do Senhor Morto, de modo que a gente de dentro mal soube o que houve, e o horror atingiu os mais distantes nas filas de velas - um grande pontilhado de luz resultando ao fundo em fogo de improporções, até as matracas calaram; da segunda, tremores de terra fizeram pesar o sino trazido das lonjuras onde se falavam já outras línguas, cavando passagem por entre os andares em escadaria, calçando-se em suas toneladas de bronze à direita da entrada principal da nave, onde então permanece lembrança dos desastres {que aconteceram em tempos imemoriais e são contadas das avós para os netos que contam para as netas, e dizem que as procissões em velas nunca tiveram mais os mesmos tamanhos - antes de uma beleza que trazia comunhão pr'essas gentes no peso do silêncio em retidão e serpenteava a cidade com a luz errante da queima dos barbantes em cera, e diziam ainda que as marchas fúnebres das bandas que acompanham o senhor morto - de datas indistintas e madeira pintada à mão, tornava em interna cadência a devoção pois era de uma proeza de capo-lavoro sua humanidade - as marchas da banda tinham tristeza verossímel pois eram tocadas nos mesmos trombones e souzaphones e clarins e bumbos que viram os grandes desastres da Matriz}] -, a carroça rumando a saída, a mão ungindo Pai Filho Espírito, os caminhos então protegidos em fé, que o chão da estrada maltrata os animais e as rodas e as ancas, e o destino, longe dias, é um somente vislumbre no final de grande desventura), Zé ali da venda onde maridos dividiam dois dedos de prosa e de pinga, zombeteando os afazeres domésticos e dizendo impropriedades das belezas mais jovens, os meninos faceiros compram traques, as meninas compram pequenas imitações em barro das panelas grandes do grande cômodo da casa onde ficavam as mães e tias e dindas assistidas pela criada (das pedras grandes que muretam o quintal tiram-se o limo, as pequenas florzinhas secas mais terra, um tiquim de água, e a tarde toda se ia escorrida na feitura destas comidinhas em panelinhas de barro das menininhas, - banquetes que não pereceriam às moscas e ao sereno. Fosse antes assim da vida feita, mal sabiam os aguardos do futuro - os pés descalços que não conhecem a donzelagem passam pelos amontoados de mamona, mesmo com aquelas secas caídas no chão [graças ao bom deus os moleques hoje estão demais distraídos com outras coisas quaisquer e não vieram aporrinhar a tacar mamonas e fazer guerra, brincadeira chateante que reserva os amores possíveis do futuro] fazendo doer o piso, mas há de se pegar aquela última florzinha ali no canto para enfeitar o último prato destes sumos de quintal em banquete) o dia em que chegou na cidade pelos velhos caminhos inutilizados que passam por detrás da Santa Barbara fazia sol com chuva (diz-se do casamento da raposa ou da viúva, neste terra em que não há raposas porém lobos altos esguios avermelhados, cuja curiosidade e mansidão entregam em bandeja a pelagem de raras cores, quistas nos detalhes dos alfaiates e outras prendagens - em lugares longes, porque esse povo daqui dizia trazerem resquícios do entre-mundos esses bichos, de natureza calma mas de olhos de gente e patas por demais compridas, tranquilos vermelhos agouros vindouros das matas ralas de árvores baixas que, quando adentram as casas, sentam aquietados nos fundos dos quintais compridos e guardam o dentro da casa com paciente calma: e nada faziam, tornando a presença para os habitantes da casa fonte angustiante, e se acontecia algo ruim logo criam ser porque o bicho tava lá. Era tal a agonia da vista da criatura que não se percebia: junto dela vinham borboletas de variados tamanhos que pendulavam por várias casas seguidas e logo vinha a notícia de vida e era tal a euforia que ninguém se lembrava do bicho habitante dos últimos dias - pois uma coisa era acertada: faziam guarda aos pequenos do entre-mundos e os traziam pra outra chance no amor em vida, as borboletas em comemoração flanando asas coloridas, flor em alastro a embelezar os dias vindouros; casamento de raposa ou viúva, nesta terra em que as viúvas não casam um'outra vez e fecham as janelas [pois o luto não é um processo de superação e sim autoafirmação em clausura e úmida escuridão dos quartos, solidão e auto-comiseração impiedosa a roer - quão lento as heras cobrem os camafeus ganhados presentes em noivado jogados aos jardins - as cordas vocais deixadas de lado do uso, porque a retidão tem de se fazer audível] e fecham as janelas das casas e respiram nos quartos até que haja sufocante umidade e se desfaçam indolores imperceptíveis em desmanchamento no breu trancado das portas - porque nas portas do luto sim, se passa a chave, para que fiquem guardadas da noite e do dia e das pessoas e das vozes e das músicas dos pássaros {feito difícil visto a algazarra todo fim de tarde das ararinhas dos coqueiros do cemitério, altíssimos, que unem em raiz o podre daquele chão do qual poucos se salvaram ao alvíssimo céu, como tentativa em caule de esticar os dedos e folhas ao mais alto-próximo do criador, mal sabiam estes aguardos do futuro} e assim era e assim todos sabiam, luto o diziam naquele lugar amor - "Sinha'Badia se foi ontem de amor" - e ficavam pois as casas fechadas, porque não havia velo para o amor e sim estes mausoléus que se tornavam as residências, e aos poucos a umidade carregada de matéria orgânica em semente, escapada pelas mínimas frestas das janelas e das portas desses quartos, enchia os corredores da casa e logo as salas e as falhas das janelas e cobriam aos poucos as coisas de fino visco, que esperava saúde em sol e chuva e ganhava forma de folhas e flores e perfumes - e com a ida do tempo, maior volume tomavam estas matas que permaneciam intactas até que se perdessem a memória de seus donos e seus nomes e suas histórias, e ficavam assim, permanecidas, por maestosa contemplação em ruínas no meio das ruas, grandes resquícios das paredes em cal e longuíssimos caules que verberam nos amores juvenis que buscavam inspirações; ali residia.) 
Chegou por detrás da igrejinha, que ainda restava sobre suas fundações cravadas na rocha do morro; o sol brandeado pelas finas gotas da chuva que, insistentes, tentavam molhar os caminhos de pedra há muito sem uso; grandes corredores de coqueiros e palmeiras imensuráveis de formas jamais vistas, trepadeiras de gavinhas sedentas cobrindo enormes espaços, pesadas em flor de cacho, orquídeas sem nomes memórias ou histórias de cores e ciência desconhecidas, perfumes de realidade dubitável e grandíssima leveza, neste grande e aparente abandono de meu deus do céu que foi só amor demais.


sábado, 2 de abril de 2016


das certezas, se os anos as me deram: uma delas é não me ter sido permitido o dom do passa-tempo fácil e indolor - vistas as sequências de casualidades e os efeitos das causalidades (e, se me permito breves elocubrações egóicas, rápido me concluo em conspirações sistêmicas de astros - ai, retrógrado Saturno em meu mapa de céu - ou ainda cármicos determinismos) - pois a aparente placidez no semblante, o riso fácil e a clareza dos olhos me velam ao mundo feroz selvageria interior (não felina veloz afiada - espessa selvageria qual magma em lento movimento interno de altíssimas pressões, calor e destrutiva incandescência), - penso enquanto, no espelho - ilusão ótica - retiro, um a um, estes pêlos grossos que me unem as sobrancelhas, estas farpas da minha humanidade orgânica pinçadas voluntariosamente em tentativa de meticulosa ação das mãos - que sabendo-se da sequência dos anos, supõe-se , não miram tão firmes, e, errantes, porém eficientes, ajudam adornar o de fora para tentar, quem sabe, o de dentro permanecer intacto e invisível, ah: estes ocultismos aos quais nos forçam as circunstâncias em prol da preservação destes cristais e diamantes, gestados dos nossos carbonos internos para que, quando só, seja possível se permitir abrir a janela (persianas coloniais de madeira) e residir, neste momento átimo, na refração de luz destas infusíveis tetraédricas formas de rearranjo molecular - já esta uma certeza das constantes físicas, isentas de autoengano: o reiterado maravilhamento das formas prismáticas dispersando branca luz em cor.


 

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